Por Henrique Lucarelli
O cenário brasileiro, no qual a cidade de Fartura está inserida, é um filme de terror. Somos atacados por uma das piores pandemias da história moderna e os governos das várias esferas – federal, estadual e municipal – são incapazes de assumir uma clara, atuante e honesta posição de combate à doença.
Do governo federal tivemos o pior; o incentivo ao vírus: não usou máscara, não comprou vacina e produziu e divulgou remédios que não curam a doença e podem causar outras. O governador ficou em cima do muro: comprou a vacina e estimulou o uso de máscaras, mas não teve força e apoio (e talvez até um pouco de vontade) para implementar o isolamento social em momentos não emergenciais. E a ajuda social para os desvalidos e para o comércio e indústria se aguentarem? Tudo muito tímido frente ao problema real.
Resultado: tudo veio estourar na ponta; no poder municipal. Mas o que as cidades podem fazer frente a uma pandemia tão poderosa? Eu não sou um historiador das guerras e nem um estrategista militar, mas pelos meus estudos sei que, quando se enfrenta um inimigo onipresente e superior em armas, as táticas com êxito são: guerrilha, apoio da população local e esperança. Explico:
Guerrilha é não utilizar o enfretamento direto. Mas ter precisão, racionalização de recursos e o elemento surpresa. A arma mais barata, acessível e com bons resultados é o uso de máscaras. Elas deveriam ser itens obrigatórios e necessários deste março de 2020, quando a doença chegou ao Brasil. Nós fizemos isso nesse período? Lembre-se de quantas vezes vocês saíram às ruas e viram pessoas sem ela. Aposto que muitas.
O apoio da população é quando ela tem a clara consciência de que, para enfrentar o inimigo, ou é todo mundo ou nem adianta começar. Os dados indicam que esse abril de 2021 será o mês que teremos o maior número de mortes na história do Brasil independente. É fundamental, nos períodos de crise aguda, que a comunidade não perca a empatia de se colocar no lugar daqueles que foram, são e serão levados pela doença – ou será difícil caminhar. É complexo, mas em toda manhã nos próximos dias teremos que lembrar: a vida é sempre superior à riqueza e é por isso que a gente segue.
Por fim, a esperança deve ser encarada como um compromisso ético. Ela é necessária, pois ninguém pode pensar que sua trajetória será uma eterna luta sem possibilidade de vitória. E nisso precisamos também insistir: nós vamos vencer a doença e, nesse dia, vamos prosperar novamente. Portanto, não pense que está tudo perdido. Temos que segurar bravamente agora para vencermos – todos e todas – no futuro.
Mas é difícil, o maior indicador de que estamos perdendo ou não a guerra contra o vírus é o índice de transmissibilidade – o número de pessoas que um doente pode infectar. Baixar esse número é um passo para a vitória, enquanto aumentá-lo é caminhar para medidas drásticas e amargas como o lockdown. Traduzindo: se uma pessoa doente se isola e se cura, não transmitido para ninguém, é um dia ganho na guerra – e esse deve ser o grande objetivo, o foco de todas as medidas.
Porém, a gente não consegue ver isso. Na semana que passou, a prefeitura de Fartura publicou um material de propaganda de 100 dias de governo. Dias em que a doença só nos venceu: dias com pouca fiscalização das aglomerações e do uso de máscaras; dias com uma regra no papel, outra na prática; dias de relaxamento coletivo, nos quais a moral que vale é aquela do ditado: “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Henrique Lucarelli é professor e mestre em História pela Unicamp.
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