Tijolos com o símbolo nazista em fazenda na região de Itaí. (Foto: Secretaria de Estado da Cultura)
Tijolos com o símbolo nazista em fazenda na região de Itaí. (Foto: Secretaria de Estado da Cultura)


O governo do estado de São Paulo promoveu o tombamento, como Patrimônio Histórico e Cultural, da Fazenda Cruzeiro do Sul, em Itaí, e do Conjunto da Estação Ferroviária Engenheiro Hermillo, em Campina do Monte Alegre. A fazenda ficou conhecida por abrigar símbolos nazistas em tijolos e documentos que remontam às décadas de 1930 e 1940. No local, houve ainda exploração de trabalho infantil de crianças negras. As informações são do Portal UOL.

O tombamento, aprovado em fevereiro deste ano, foi publicado na última sexta-feira (18) no Diário Oficial do estado. A decisão teve como base um estudo feito pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), ligado à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do estado.

Na decisão, o estado considerou que o tombamento busca preservar a história dos locais e constitui uma “reparação simbólica do estado acerca da exploração de mão de obra de pessoas negras no século XX”.

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“A Fazenda Cruzeiro do Sul é exemplar representativo de um pensamento autoritário e higienista da sociedade brasileira das décadas de 1930 e 1940, onde se cruzaram pensamentos segregacionistas e preconceituosos comuns à época”, diz trecho da resolução sobre o tombamento.

Trabalho infantil e tijolos com a suástica

Localizada no limite entre os municípios de Itaí, Paranapanema e Itapeva, a Fazenda Cruzeiro do Sul foi adquirida na década de 1920, por uma família de simpatizantes do integralismo.

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Movimento com origens no fascismo europeu, o integralismo foi uma vertente política de extrema-direita que ganhou espaço no Brasil na década de 1930. Seus integrantes demonstravam alinhamento a ideias do nazismo alemão.

Integralistas brasileiros fazem a versão tupiniquim da saudação nazista, na qual diziam ‘Anauê!’. (Foto: Wikimedia Commons)

De acordo com Deborah Neves, historiadora e técnica da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, após acordo com um orfanato no Rio de Janeiro os proprietários da fazenda conseguiram a tutela de 50 meninos negros, entre 8 e 10 anos.

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As crianças foram transportadas em 1933 do Rio de Janeiro para Campina do Monte Alegre, onde desembarcaram na Estação Ferroviária Engenheiro Hermillo.

“É por isso que a estação também foi tombada. Porque ela cria um nexo entre o Rio de Janeiro e a fazenda”, explica Deborah Neves, uma das responsáveis pelo estudo que embasou o tombamento. “Estes meninos não foram adotados. Eles tinham a tutela. A família oferecia casa, escola, comida e trabalho, mas só ofertaram escola até a quarta serie, até os 10 anos. Entre os 10 e os 18 anos, estes meninos só trabalharam.”

As estruturas históricas da fazenda foram depredadas em agosto de 2012. (Foto: Secretaria de Estado da Cultura)

Na fazenda, havia símbolos do nazismo — como a suástica — estampados em bandeiras, em tijolos usados na construção de galpões e outros prédios, na marcação do gado e em documentos.

Conforme Deborah Neves, isso foi identificado pelo historiador Sidney Aguilar Filho, que iniciou estudo sobre o local e fez pedido de tombamento em 2012, ano em que houve um episódio no qual as estruturas foram depredadas.

A história dos meninos foi contada no documentário “Menino 23 — Infâncias perdidas no Brasil”, lançado em 2016, que retrata a pesquisa de Aguilar Filho.

Nos anos seguintes, com a fazenda já nas mãos de outros proprietários, surgiram indícios de destruição do patrimônio histórico.

“Em 2016, em vistoria para finalizar o processo de tombamento, verificamos que boa parte das construções havia sido derrubada. Havia mesmo uma tentativa de apagamento desta memória”, explica Deborah Neves. Com o tombamento, a intenção é preservar a história do lugar.

Visibilidade aos abusos cometidos

Deborah Neves afirma que o tombamento contribui para dar visibilidade aos abusos cometidos nestes locais, como a exploração do trabalho infantil.

“A apresentação dos lugares de ‘memórias difíceis’ pode, em um primeiro momento, parecer controversa. Por exemplo, quando se faz o tombamento do Deops [Departamento Estadual de Ordem Política e Social], onde hoje funciona o Memorial da Resistência, surge a crítica de que estaria sendo preservada a memória da ditadura. Mas o que estamos preservando são os lugares onde ocorreram violações de direitos humanos. A partir do conhecimento dos lugares, criamos políticas de prevenção”, conclui a historiadora.

A publicação original está disponível neste link.