Imagem ilustrativa. (Foto: Divulgação)
Imagem ilustrativa. (Foto: Divulgação)


Por Henrique Lucarelli

Imaginem comigo essa situação: um homem, de nome Augusto*, é escolhido entre os seus para ajudar a fiscalizar a nossa cidade e região. Seu objetivo é garantir que o dinheiro dos impostos sempre seja encaminho para o lugar certo e evitar que leis ou regras sejam abusivas. Seu horizonte é a paz e a prosperidade daqueles que o escolheram como representante.

Porém, esse personagem descobriu um esquema: se ele desse alguns presentes e fizesse bastante propaganda, ele não precisava executar o seu trabalho, ou melhor, o rebuliço da entrega dos presentes “ocultaria” o fato de ele não realizar o serviço que prometeu. Para esse Augusto, fiscalizar e pensar nas leis era muito difícil, ele não gostava, afinal, para ter um bom resultado ele sempre tinha que estudar, refletir noite adentro, ouvir especialistas… Isso não era com ele.

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Melhor: sempre que ele se via nessa situação, ele recebia a visita ou telefone de alguém que dizia: “Augusto, não precisa se preocupar, amigo, se você seguir o meu conselho, amanhã tem jantar, festa com mordomia e gente bonita para você”. Nosso personagem estava no paraíso, não tinha preocupações e só distribuía presentes.

Do outro lado da nossa história tem a Ana*. Ela tem um filho: Fabiano*, que infelizmente sofre de asma e, quando ele tinha 3 anos de idade, o pai foi trabalhar na cidade vizinha e morreu em um acidente de ônibus, deixando Ana viúva. Ela tinha um emprego de vendedora, mas depois que deu à luz o patrão a dispensou do trabalho. Perto da casa dela tem uma creche em construção que seu filho poderia estar matriculado, mas o prédio está no esqueleto ainda, a obra está parada.

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Quando estourou a pandemia, as condições de Ana eram precárias, tinha uma casa popular e a ajuda que vinha do governo, que dava apenas para a comida básica, não conseguia comprar os remédios do filho, mas dava para ir buscar no posto de saúde. Fabiano ia sempre junto, adorava ver as motos pelo caminho.

Foi difícil esse tempo para ela, mas superou, tomou até a primeira dose da vacina mesmo tendo medo de agulhas. Quando o benefício ficou curto, por conta da alta dos preços, recebia uma ajuda da igreja que frequentava. Pegou um panfleto no mercado que falava de um curso técnico de Administração, ela queria estudar para poder voltar a trabalhar, estava pensando, contudo, com quem deixaria Fabiano no tempo que estaria na escola.

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Porém, a vacina de Fabiano contra a covid demorou a chegar, e o menino adoeceu. Asmática, a criança foi logo deixada internada no hospital local pelo médico. O peitinho dele fazia para cima e para baixo, mas o ar não vinha. Precisou ser transferido para um hospital de referência.

Fabiano viajou de ambulância – um dos presentes de Augusto – para nunca mais voltar…

Fabiano viveu sem escola, sem vacina, sem respirador, sem brinquedo. Ana viveu sem dinheiro, sem emprego, sem poder fazer o curso. Augusto não fiscalizou a construção da creche; não pressionou pela vacina contra a covid; não pensou em nenhuma lei para ajudar a infância; não quis combater a pobreza e o desemprego; não acredita que a mulher deve ter um espaço na sociedade como o do homem; não gosta do estudo e de quem estuda; mas gosta de dar presente.

Outro dia, Ana encontrou um político da cidade que veio lhe dar os pêsames pela perda. Ele disse: “Meus sentimentos. Como vai você? Não se esqueça de votar Augusto que sempre te ajudou, né?”.

Manifestação contra a homenagem na qual o deputado federal Capitão Augusto (PL), líder da bancada da bala, recebeu a cidadania honorária em Fartura, a maior honraria do legislativo municipal. (Foto: Divulgação/Câmara Municipal de Fartura)


Henrique Lucarelli é professor e mestre em História pela Unicamp.




*Os personagens são integrantes de uma crônica ficcional

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site.