Estação Ecológica de Piraju abriga remanescente do cerrado. (Foto: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente/Divulgação)
Estação Ecológica de Piraju abriga remanescente do cerrado. (Foto: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente/Divulgação)


A Justiça manteve a liminar que suspendeu o processo de concessão de áreas públicas de preservação e pesquisa ambiental do interior de São Paulo. O Estado entrou com recurso contra a suspensão, que foi negado por ausência de argumentos justificativos. Pesquisadores condenam a tentativa de desmonte e exploração predatória conduzida pelo governo. As informações são da reportagem de Matheus Arruda, do G1.

A concessão visa permitir a empresas privadas a exploração comercial de Estações Ecológicas por 15 anos, nos municípios de Águas de Santa Bárbara, Angatuba, Piraju, além das Estações Experimentais de Itapeva e Itirapina.

Conforme explica a vice-presidente do Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) Helena Lutgens, as unidades foram criadas pelo extinto Instituto Florestal para o desenvolvimento de pesquisas e estudos de preservação ambiental. “Sempre foram produtivas, tanto do ponto de vista da geração de conhecimento, como da conservação ambiental”, salienta.

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Segundo a APqC, a concessão das áreas ameaça a flora e a fauna remanescente no interior do estado. “Na floresta de Angatuba, por exemplo, habita o mico-leão preto, espécie que chegou a ser considerada extinta por mais de 60 anos”, reforça.

Estação Ecológica de Angatuba abriga o mico-leao-preto, espécie ameaçada de extinção. (Foto: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente/Divulgação)
Estação Ecológica de Angatuba abriga o mico-leao-preto, espécie ameaçada de extinção. (Foto: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente/Divulgação)

“Elas [Estações Ecológicas] também são fundamentais na manutenção da qualidade de vida das comunidades, porque são áreas utilizadas para lazer, recreação e educação ambiental”, salienta Helena.

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A licitação anunciada pelo Governo do Estado de SP em outubro prevê a concessão de 77,4 quilômetros, de unidades florestais e estações experimentais (Veja abaixo, em números aproximados, a área de cada município).

  • Águas de Santa Bárbara: 11 quilômetros;
  • Angatuba: 11 quilômetros;
  • Itapeva: 18 quilômetros;
  • Piraju: 6 quilômetros;
  • Itirapina: 35 quilômetros.

Ameaça

O edital de concessão, publicado em outubro, permite a exploração comercial “visando manejo florestal em áreas de florestas exóticas plantadas e atividades associadas para gestão técnica e comercial, com foco em produtos e subprodutos florestais, para madeira ou resina de pinus e novos plantios comerciais”.

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O objetivo da concessão é visto como uma ameaça pela presidente da APqC Patricia Clissa. “Uma coisa que preocupa muito é que algumas concessões são feitas especificamente com o objetivo de pegar áreas que estão sendo conservadas para produzir pinus e eucalipto. O problema é que essas monoculturas empobrecem o solo, invadindo áreas que deveriam estar sendo preservadas”.

“É uma política de governo de passagem desse patrimônio [público] para a iniciativa privada. A justificativa maior é a economia e a geração de recursos financeiros”, reforça a vice-presidente Helena.

Licitação coloca em risco Estação Ecológica de Águas de Santa Bárbara, denunciam pesquisadores. (Foto: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente/Divulgação)

A advogada da associação, Helena Goldman, reforça a necessidade do Estado preservar as unidades florestais. “Hoje, a gente tem 1% da vegetação original do cerrado no estado. Desse remanescente, apenas 0,18% é preservado. É um número alarmante. A gente tem inúmeras leis que protegem isso, só que o Governo que é que deveria observar o cumprimento das leis, assim não o faz”.

A associação, ainda, reforça que o impedimento da concessão é uma forma de atenuar a crise ambiental e climática. “Ao invés de aumentar as áreas de vegetação nativa, áreas protegidas, estamos vendo um interesse oposto. O que nos mobiliza a tomar essas ações devido a essa preocupação com o futuro”, diz Patricia.

“No interior, já temos um processo de desertificação. É um deserto. Esses são os últimos remanescentes (…) A nossa biodiversidade está em risco iminente. A política do estado tem que ser paralisada”, conclui a advogada.

Licitação suspensa

Em outubro, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) acatou a liminar do Ministério Público (MP-SP) suspendendo o processo de licitação.

A licitação permitirá uma “exploração predatória” das áreas, destacou o promotor do Meio Ambiente da Capital, Carlos Henrique Prestes Camargo.

Estação Ecológica de Itapeva é uma das unidades florestais elencadas no processo licitatório. (Foto: Divulgação/Secretaria do Meio Ambiente)

Com a decisão, o Governo do Estado entrou com um recurso de agravo de instrumento com o objetivo de suspender a liminar. O recurso foi negado na última terça-feira (13) pelo desembargador Torres de Carvalho.

Para Torres de Carvalho, o edital que vai selecionar as empresas para exploração das áreas “foi publicado há pouco e não há risco de dano no aguardo do julgamento do agravo, que ocorrerá com brevidade”, anotou.

O recurso do Estado será julgado por uma das câmaras do TJ-SP, composta por três desembargadores.

Investigação

O MP já acompanhava a situação das unidades de preservação. Inclusive, com uma ação pedindo ao Estado para não utilizar as áreas de forma econômica, pleiteando, inclusive, a regeneração do bioma. “É uma vitória parcial para o meio-ambiente essa paralisação”, analisa a advogada Helena Goldman.

Mapa mostra devastação do cerrado no estado de São Paulo. (Foto: APqC/Arquivo)

Dentro da Lei

Em nota, a Secretaria de Infraestrutura e Meio salientou que o recurso judicial ainda não foi julgado. Reforçou, inclusive, que a concessão será permitida em áreas onde há produção de espécies exóticas, como Pinus e Eucalipto.

Segundo o Governo do Estado, será de responsabilidade da empresa vencedora da licitação desenvolver um plano de controle de espécies com potencial invasor, além de uma série de medidas ambientais, que inclui recuperação de vegetação nativa e a permanência dos pesquisadores.

O processo de licitação, diz a nota, segue estritamente a lei vigente, inclusive com consultas e audiências públicas.

Mobilização

Ainda neste ano de 2022, quando a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) abriu uma consulta pública para tratar sobre o projeto de permissão de uso dessas áreas, cidadãos pirajuenses organizaram campanhas contra a privatização da Floresta de Piraju (Horto Florestal), bem como os demais locais. A área possui um total de 680 hectares, com relevo de colinas amplas.

Na cidade de Itirapina, a notícia foi recebida por veículos da imprensa local com incredulidade. “Mesmo com toda a mobilização da cidade contra a privatização da Estação Experimental de Itirapina”, escreveu o jornal Primeira Página ao publicar a notícia.

O veículo local ainda traz o ponto de vista da ambientalista Samarina Gomes Marino, que é contra a concessão. Segundo ela, já se notava, há anos, a preferência da gestão estadual, atualmente representada por Rodrigo Garcia (PSDB), em terceirizar os serviços, com menos funcionários realizando várias tarefas.