Por Guilherme Gama, do Jornal da USP
Com a pandemia de covid-19, a carga de trabalho enfrentada pelos profissionais da saúde gera preocupação quanto à saúde física e mental desses profissionais. Estudo desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP analisou 4.384 profissionais da saúde e revelou que 41,4% deles apresentaram novas queixas de insônia ou piora desse quadro durante a pandemia. O estudo também observou um aumento de 13% no número de tratamentos medicamentosos para insônia entre os profissionais.
Os resultados do estudo, cujo autor principal é o professor Luciano Drager, da FMUSP, foram publicados em setembro de 2020, em versão preprint (sem a revisão de pares), na plataforma medRxiv.
A pesquisa foi de caráter transversal, isto é, os dados foram obtidos por meio de uma informação única, nesse caso, pela aplicação de questionário on-line em junho de 2020, com abrangência em todas as regiões, realizado pela Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS). Os participantes tinham em média 44 anos de idade, 76% eram mulheres e 53,8% médicos ou médicas, entre enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos etc. Entre eles, 55,7% estavam atuando nos cuidados de pacientes com covid-19 e 9,2% informaram já ter caso de infecção pelo vírus.
Os participantes foram questionados sobre seus estados de saúde, com destaque para distúrbios de sono, ansiedade e estresse por exaustão física e mental no trabalho, estado crônico mais conhecido pela síndrome de Burnout. “Nosso interesse foi verificar se havia prevalência de insônia, ansiedade e Burnout nos profissionais de saúde com a decorrência do cenário pandêmico”, conta Claudia Moreno, coautora do estudo, professora da FSP e vice-presidente da ABMS.
Entre os entrevistados, 1.817 (41,4%) relataram novas queixas de insônia ou piora do quadro que já possuíam, em paralelo; 572 (13%) relataram iniciar novos tratamentos com uso de medicamentos para insônia.
“O não atendimento da necessidade de sono tem efeitos a curto, médio e longo prazo para a saúde”, afirma a pesquisadora. De acordo com ela, o sono adequado, tanto em relação à sua duração quanto ao momento em que é realizado, é uma necessidade fisiológica do organismo. Um dia que um médico fica em privação de sono já é suficiente para gerar alterações do humor e dores de cabeça. Os sintomas se agravam em casos de privação de sono crônica. “Nesses casos podem ocorrer problemas mais graves de saúde, como gastrintestinais, cardiovasculares, distúrbios de saúde mental, dentre outros”, completa.
Os dados mostraram que, durante a pandemia, a ansiedade prevalecia em 44,2% dos entrevistados e Burnout em 21% deles. Alguns fatores se mostraram “protetores” para novas queixas e piora da insônia, como aumento da renda; ser psicólogo(a) ou fisioterapeuta (em relação trabalhos administrativos); atender em consultório ou clínica e ter tido aumento na jornada de trabalho. A explicação para esse último pode estar no adormecimento rápido em função da própria redução do sono e de sua qualidade, gerada pelo aumento na jornada. “Como as pessoas passaram a dormir menos e pior, quando deitam para dormir, apresentam curto período de sono — o que poderia ser identificado por elas como ausência de insônia, algo do tipo ‘caio na cama e durmo na hora’”, explica Claudia, que ressalta a necessidade de mais estudos para essa relação.
Outros fatores foram identificados como de risco. Entre eles, estão a redução da renda, alterações de peso, desenvolvimento da síndrome de Burnout, atender ou já ter atendido pacientes com covid-19, ansiedade e ser mulher. A cientista explica que é provável que as mulheres tenham apresentado maiores chances de sofrer problemas de insônia e Burnout por serem as responsáveis, na maior parte dos casos, pelos cuidados com afazeres domésticos, o que implica uma jornada dupla de trabalho.
A pesquisa considera que a insônia pode gerar um impacto negativo no desempenho do trabalho dos profissionais da saúde, além da dependência de tratamentos farmacológicos, a longo prazo. Segundo a pesquisadora, sem mudanças nas condições às quais esses trabalhadores são expostos, erros de ordem médica e de atenção no cuidado aos pacientes, além da possibilidade do desenvolvimento e agravo de problemas de saúde, podem ser esperados. “Os resultados demonstram que os profissionais de saúde já estavam sofrendo os efeitos da pandemia após poucos meses de trabalho, o que significa que hoje, um ano depois, a situação deve estar agravada”, completa.
Também é apontada a urgência de programas dedicados ao sono e à saúde mental para profissionais que atuem na área da saúde. “É necessário avaliar a carga horária de trabalho desses profissionais, de modo a lhes dar tempo para descanso e recuperação”, afirma Claudia.