Lançamento da Pedra Fundamental do Colégio Militar de São Paulo, em fevereiro deste ano. (Foto: Carolina Antunes/PR)
Lançamento da Pedra Fundamental do Colégio Militar de São Paulo, em fevereiro deste ano. (Foto: Carolina Antunes/PR)


A cidade de Carlópolis participa, a partir desta terça-feira (27), de uma consulta à comunidade escolar para a implantação de um colégio cívico-militar no município, que seria instituído na Escola Estadual Hercília de Paula e Silva. Pelo menos outros sete municípios do Norte Pioneiro paranaense também fazem parte desse processo.

Atingida por um incêndio em dezembro de 2013, a escola Hercília de Paula e Silva ficou sem atividades por aproximadamente três anos, retornando às operações em agosto de 2016. Atualmente, o colégio possui 737 matrículas e é o segundo com mais alunos das 11 escolas do Norte Pioneiro que fazem parte do programa de militarização das instituições de ensino. Confira a lista das escolas participantes clicando neste link.

O governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) anunciou nesta segunda (26), no Palácio Iguaçu, que o programa de colégios cívico-militares será implementado em 215 colégios estaduais de 117 municípios de todas as regiões do Paraná a partir de 2021. O investimento direcionado a cerca de 129 mil alunos será de cerca de R$ 80 milhões. É o maior projeto do país nessa área.

PUBLICIDADE

A nova modalidade de ensino funcionará com gestão compartilhada entre militares e civis em escolas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. As aulas continuarão sendo ministradas por professores da rede estadual, enquanto os militares serão responsáveis pela infraestrutura, patrimônio, finanças, segurança, disciplina e atividades cívico-militares. Haverá um diretor-geral e um diretor/auxiliar civis, além de um diretor cívico-militar e de dois a quatro monitores militares, conforme o tamanho da escola.

O governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), durante anúncio do maior programa de militarização de escolas do Brasil. (Foto: Rodrigo Felix Leal)

Os colégios foram selecionados pela Secretaria de Educação e do Esporte e haverá uma consulta à comunidade escolar a partir desta terça-feira (27) para oficializar a indicação. Um dos diferenciais é o aumento da carga horária curricular, com aulas extras de português, matemática e valores éticos e constitucionais. A lei foi aprovada neste ano pela Assembleia Legislativa do Estado, mas o programa está sendo planejado desde o ano passado.

PUBLICIDADE

Consulta pública

As consultas públicas acontecerão nas escolas indicadas para o programa nesta terça-feira (27) e na quarta-feira (28), das 8 horas às 20 horas. Estarão sob consulta da comunidade colégios em regiões com alto índice de vulnerabilidade social, baixos índices de fluxo e rendimento escolar e sem oferta de ensino noturno, conforme a legislação aprovada pela Assembleia Legislativa do Paraná. A consulta será em formato de referendo, cabendo à população dizer sim ou não ao modelo na escola em questão.

Fazem parte da comunidade escolar professores, funcionários e pais de alunos matriculados na instituição. Caso o estudante seja maior de idade (18 anos), o próprio participa da consulta. É preciso levar um documento pessoal para votar e pais ou responsáveis votam de acordo com o número de matriculados sob sua tutela na escola, ou seja, uma mãe com três filhos pode votar até três vezes. É recomendável que cada pessoa leve sua própria caneta para registrar sua assinatura.

PUBLICIDADE
Escolas dos municípios do Norte Pioneiro do PR que participarão do programa estadual de militarização. (Foto: Reprodução/Tribuna do Vale)

Para ter validade, mais de 50% das pessoas aptas devem participar da consulta. Se uma comunidade escolar for formada por 500 pessoas, é necessário um quórum de pelos menos 251 pessoas. Para migrar ao modelo cívico-militar basta a aceitação de maioria simples dos votantes da escola, ou seja, 50% e mais um voto do total. O resultado de todas as consultas deve sair até quinta-feira (29).

Censura e contradições

Apesar da média mais alta em pesquisas de qualidade educacional, como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) – segundo o governador Ratinho Junior, os índices dos colégios militares são 20% mais altos que a média da educação tradicional –, a adoção da militarização das escolas é tratada com cautela pela comunidade acadêmica e por especialistas em educação.

Há menos de uma semana, a Agência Pública publicou que o comandante do Colégio Militar de Porto Alegre, Claudio Faulstich, reuniu ano passado cerca de 200 funcionários em um auditório da escola para anunciar que alguns temas estavam proibidos em sala de aula, como racismo e homofobia.

Faulstich ainda revelou que a medida, encarada como censura pelos professores, foi uma ordem superior da Depa (Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial, departamento do Exército). A reportagem foi replicada por grandes veículos de alcance nacional, como o El País Brasil e a Carta Capital.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante solenidade de incorporação dos recém-matriculados no 6º ano do Colégio Militar de São Paulo. (Foto: Carolina Antunes/PR)

A pesquisa A militarização das escolas públicas: uma análise a partir das pesquisas da área de educação no Brasil, realizada pelas especialistas em educação Miriam Fábia Alves e Mirza Seabra Toschi em setembro de 2019, destaca o caráter seletivo das escolas militarizadas. Segundo as pesquisadoras, a camada mais pobre da sociedade não tem condição de custear o estudo dos filhos em colégios desse tipo.

“Desse modo, este modelo acaba privilegiando as camadas de classe médias que, perdendo poder aquisitivo, mantêm seus filhos numa escola que se assemelha à ‘particular’, mas com mensalidade menor, o que evidencia mais uma vez o caráter híbrido dessas escolas”, diz a tese.

O estudo ressalta a importância que a opinião pública tem dado a pautas como a gestão escolar, a disciplina escolar, a violência nas escolas, as disciplinas escolares instrumentalizadas em favor de um modelo de escola militarizada, o perfil dos alunos e o desempenho escolar.

Outra questão levantada pelas doutoras é que ainda é muito cedo para se ter ideia de como esses alunos formados em colégios cívico-militares chegarão à vida universitária, “que requer habilidades pouco exploradas e ensinadas nas escolas militares, como a autonomia de pensamento, a criatividade e o respeito humano, independentes da ‘patente’ militar.” O artigo está disponível no site da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Sindicato de Professores do Distrito Federal, e pode ser lido na íntegra neste link.