(Foto: Pixabay)
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Por Marco Henrique

Toda militância é importante, algumas essenciais para evoluirmos como pessoas e sociedade. Em tempos de redes sociais e democratização dos meios de comunicação, temos um sem número de grupos reivindicando seu lugar ao sol. E com toda razão, já que por séculos temos visto a história ser contada sempre pelo mesmo grupo, o predominante. Há militância pela equidade de gêneros, por respeito mútuo entre diferentes povos, raças e grupos sociais, outras por direitos estudantis, vinda das classes trabalhadoras, pelos direitos humanos e jurídicos essenciais para grupos oprimidos, perseguidos ou em vulnerabilidade social, entre tantas outras.

Os exemplos são infinitos porque o caminho para uma sociedade mais civilizada e menos desigual passa por esse debate de ideias e embates, pela união daqueles que vigiam e lutam por nossos direitos básicos e liberdade. Nos últimos dois anos, após um apoio por parte da população ao bolsonarismo e suas ideias autoritaristas, uma grande parte da população brasileira se viu obrigada a militar até pela democracia. O leitor pode me questionar com o seguinte pensamento “nós já temos a democracia”.

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Porém, parafraseando a frase icônica de Thomas Jefferson, “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. A democracia tornou-se a militância mais urgente e básica de todos os brasileiros.

Mas não só ela. Com a constante mudança dos tempos líquidos, o comportamento social sendo afetado pela revolução digital, comportamentos, hábitos sociais e de consumo que até ontem eram naturalizados pela sociedade também estão na linha de tiro. Vemos os assuntos e posturas mais diversas sendo alvos de crítica e forte militância para que sejam revistos. Há casos que recebem interferência política e jurídica para realizar o que já podemos chamar de “correção de rota social”. Alguns exemplos variados de militância que ganham projeção com a internet: combatentes do sal, açúcar, glúten, fogos de artifício, transgênicos, cosméticos, propagandas, automóveis, eventos, costumes, personalidades, etc. Tudo é motivo para um levante nas redes, e quem não apoia um lado automaticamente é jogado do outro. Todo dia há uma nova polêmica e não sabemos onde tudo isso vai dar.

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Quem não se lembra do “Não vai ter copa” ou o “Não vai ter Olimpíadas” que ganhou as redes sociais, cresceu, levou adeptos às ruas e eclodiu após as manifestações de Junho/2013. Até hoje colhemos os reflexos desse movimento, mas nem toda bravata que cresce nas redes tem força para as ruas. Assim como nem toda reivindicação é militância. Há, em meio a causas sérias, muito barulho e fiscalização da liberdade alheia. Tudo assim, junto e misturado, como é característico na internet. Algumas reivindicações muito justas são ignoradas, outras morrem antes de viralizar, outras que não merecem um minuto de atenção irritam o cidadão comum que tem uma vida real bem dura para dar conta.

Independentemente da importância de cada reclamação que eclode nas redes todos os dias, é importante pensar como a sociedade em geral está recepcionando isso. Quem dedicar poucas horas a conversar com as pessoas na rua, ao vivo, perceberá que não a recepção não tem sido boa.

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Parte significativa das pessoas dá sinais de estar exaurida em meio a um bombardeio de cobranças. Muitas inclusive sumiram das redes, encerraram suas contas – o Facebook, por exemplo, não para de perder usuários, e estão optando por viver sua vida fora desse ambiente impregnado de discussões que não levam a nenhum lugar.

Os sinais, inclusive, não são recentes e já foram percebidos nas manifestações de 2013 quando o termo ativismo foi adotado no lugar de militância. Uma forma que os manifestantes encontraram para não cair em descrédito antes mesmo de serem escutados. A grande pergunta que talvez seja relevante agora é: quanto de bom a militância está conseguindo fazer por sua causa versus quanta repulsa está criando pela mesma? É um dilema digno da origem ovo versus galinha.

A palavra militância vem do verbo militar, que nos remete à disciplina, constância, repetição, padronização, regularidade, regras, hierarquia e muitos outros sentidos. Muitos deles negativos. É natural que a sociedade não recepcione bem a vigilância extrema junto com uma tentativa de mudança à força. Não adianta exigir novas normas, condutas e hábitos sem propormos um diálogo sincero entre as partes, para sermos ouvidos é preciso exercitar a escuta primeiro. A velocidade da internet não é a mesma que o cidadão precisa para compreender e se solidarizar com uma pauta.

Uma pessoa comum, com seus afazeres e responsabilidades cotidianas, quando confrontada com algo que lhe confunde, cansa e até mesmo critica seus modos de vida, morais e religiosos, vai preferir ignorar tudo e seguir dentro do que acredita. O trabalhador que levanta cedo, demora horas para chegar ao trabalho, faz sua jornada de oito ou mais horas, volta para casa, come, toma banho, cuida dos filhos, não tem tempo ou energia para mudar mundo.

Por isso todos que militam por uma causa, por mais justa que ela seja, precisam compreender quem está do outro lado, ter empatia e uma bela dose de realidade e sagacidade. Forçar um pensamento contrário ainda sim é forçar um pensamento. É preciso apresentar argumentos, debater e conduzir as pessoas a uma mudança consciente, que não seja impulsionada por um bombardeio de ataques, julgamentos, deboches e ridicularização pública. Do contrário, pode-se até ganhar novos adeptos e ouvintes, mas talvez a pessoa não esteja mudando de verdade, esteja apenas querendo encerrar o assunto o quanto antes para continuar vivendo a própria vida em paz e sem nenhuma pretensão de mudar um comportamento sequer.

O contraditório nisso tudo é que muitas militâncias nascem de movimentos acadêmicos e estudantis e se julgam esclarecidas quando o assunto são pautas sociais. No entanto, não é raro ver os estudantes se colocando em posição superior quando deveriam entender um pouco mais sobre comportamento humano, sociedade e respeito. Para mudar comportamentos enraizados e cultivados durante séculos é preciso ter sensibilidade e capacidade de se comunicar com seus iguais, começando pela própria casa. Fechar-se em bolhas não vai mudar nada.

Pessoalmente, considero esse suposto esclarecimento muito mais um estado de espírito que um estado intelectual. Ninguém reflete o ponto de vista de outra pessoa ou grupo através da imposição de uma ideia, conceito ou comportamento.

Quando tropas americanas invadiram o Iraque na captura de Saddam Hussein, a princípio os americanos foram aclamados pela população. Porém, após a captura e sentença do ditador, as tropas continuaram no Iraque para reorganizar a sociedade iraquiana, eliminando comportamentos implantados pelo regime de Saddam, que incluíam práticas medievais de punições públicas, forte opressão sobre determinados grupos sociais, entre outros absurdos.

Isso rapidamente levou a sociedade iraquiana a repudiar as forças americanas porque não houve diálogo que preparasse a população para extirpar as práticas cruéis naturalizadas ao longo de décadas. Por pior que fosse a cultura da punição e violência que o regime ditatorial havia implantado no país, o simples desejo de mudar não seria o suficiente para transformar um só cidadão iraquiano, quanto mais toda uma sociedade. Apontar armas para suas cabeças não lhes mostrou o caminho certo.

Guardadas as devidas proporções, toda opressão gera uma reação, mesmo naquele que é oprimido por oprimir. A democracia é um jogo de conquistar as pessoas pelo esclarecimento, convencimento e conscientização.

A sociedade e as relações humanas são bem mais complexas na realidade do que na teoria decorada pelos militantes transitórios que lutam para acabar com uso abusivo de agrotóxicos sem nunca sair detrás do computador. Tudo fica mais nebuloso quando não se respeita o ponto de vista contrário. A militância que cansa e não descansa grita dentro de uma bolha onde apenas seu pequeno grupo alimentado pelo algoritmo consegue entender. Grupos que falam cada vez mais para dentro e não para fora, energia que não dissipa e só piora o trabalho de quem realmente arregaça as mangas e trabalha para mudar o mundo de fato. Ao menos que uma mudança radical e estratégica aconteça na forma de se comunicar, não vejo essas pautas ganharem corpo no Brasil a ponto de produzir algum efeito prático para a sociedade.


Marco Henrique tem 36 anos, é jornalista, escritor e estrategista político. Há dez anos atua profissionalmente nos bastidores do cenário político realizando gerenciamento de campanhas e estratégias eleitorais para diversos atores políticos e partidos. É constante estudante da história política nacional e seus desdobramentos.


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