Por Alex Campos

O advento da pandemia do covid-19 nos obrigou, enquanto profissionais do ensino, a nos embrearmos em mares hostis. Até alguns dias atrás, éramos impelidos a fiscalizarmos o uso de celulares pelos alunos, e na maior parte das vezes a utilização do equipamento por nós e/ou pelo alunos era motivo de reprimenda. Destaco aqui uma empresa de ensino, não sei se é justo julgá-la escola na concepção de escola libertária, que propunha desconto no bônus anual a que seus “colaboradores” fariam  jus, se fossem flagrados utilizando o telemóvel. De uma hora para outra aqueles que eram radicalmente contrários à adoção da tecnologia para o ensino a distância passaram a operar na modalidade e muitas vezes se julgando experts numa área que ojerizavam.

Governos dos mais diversos níveis, sistemas de ensino e escolas resolveram se aventurar num ramo que demanda planejamento, tecnologia e, principalmente, suporte para que as coisas aconteçam.

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O EAD está sendo confundido em muitas localidades com o ensino remoto emergencial à distância, várias escolas e faculdades estão forçando o confinamento de jovens, obrigando-os a ficarem até 10 horas em frente a um monitor em condições ergonômicas desfavoráveis. Professores são obrigados a transmitir aulas durante os três períodos, sem poderem observar os semblantes dos alunos.

Os diversos exemplos de EAD existentes no mundo são garantidores do acesso das camadas excluídas aos centros de ensino, e nos servem de alento para que modelos bem trabalhados, como a Universidade Aberta do Brasil (UAB) e a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP), possam ser sim motivos de nossa intransigente defesa, assim como o apontamento crítico de modelos que buscam a EAD como garantidora de grandes lucros, com muitas matrículas nos semestres iniciais – chamaria de modelo Kroton, mas poderia ser: modelo Estácio, modelo Anhanguera, modelo Unopar etc. Nesse tipo de curso EAD, tipicamente caça-níqueis, a principal propaganda é a empregabilidade, nunca o conhecimento. Jamais me deparei com propagandas desses grupos comercializadores de diploma que apontassem a pesquisa como uma de suas vertentes fundamentais. A lógica é simples: montam uma estrutura de aprendizagem virtual – AVA e atendem por vezes milhares de alunos numa mesma turma num primeiro semestre e, acredito eu, pautados nos dados dos MOCC´s (Curso Online Aberto e Massivo, do inglês Massive Open Online Course) de que em torno de 5% dos ingressantes que concluem os cursos desenvolvem um modelo de sucesso empresarial. Em resumo, professores produzem aulas para mil alunos do primeiro semestre e/ou ano e para 50 alunos concluintes. Como o pagamento dos professores é um custo fixo, e a perda de clientes ao longo do curso é diluída; utilizam a canalhice e a desfaçatez para atacarem e alta evasão e por conseguinte o alto custo da Universidade Pública presencial.

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É inegável que uma das mais importantes etapas da vida escolar é a convivência dos pares, da troca de ideias, dos papos despreocupados nas vivências, coisas que sabidamente nenhum EAD é capaz de proporcionar. Dados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, tradução de Programme for International Student Assessment) promovido pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) indicam que nos locais em que os professores mais se reúnem e em que os alunos mais convivem entre si apresentam os melhores resultados. A pandemia permitiu que os mercadores do ensino passassem a assediar governos estaduais e municipais, os grandes responsáveis pelo ensino básico, para a adoção de plataformas de aprendizagem e/ou cursos online das disciplinas do núcleo comum, além de se aproveitarem da reforma do ensino médio, com a adoção da nova BNCC – Base Nacional Comum Curricular, para venderem os “pacotes prontos” dos itinerários formativos.

Os professores têm enfretado o desafio da educação a distância durante a pandemia. (Foto: Agência Brasil)

Dados de 2018 apontavam que mais de um terço dos brasileiros ainda não tinha acesso à internet. As aulas emergenciais trouxeram à luz o grave problema da exclusão digital que assola grande parte do nosso povo brasileiro, temos relatos de famílias que mesmo optando pelo pagamento de mensalidades em escolas privadas dispõe de apenas um celular para a família toda e, invariavelmente, fazem o acesso a rede mundial através do wi-fi “emprestado”.

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Enquanto não houver política pública que torne o acesso à internet bem primordial, assim como o são a água, a coleta de  esgoto, a luz elétrica, a saúde, a educação e a segurança pública, não poderemos querer fazer a inclusão forçada de milhões de excluídos digitais.

Que os candidatos e candidatas às eleições municipais desse ano, de 2020, possam de fato colocar a valorização salarial dos professores e professoras como política de governo, afinal, de uma hora para outra, professores e professoras, tornaram-se youtubers, técnicos de mídia e não puderam em momento algum deixar de lado a tarefa do ensino. Professor é profissão e não devoção.


Alex Campos é professor titular das cadeiras de Química Geral e Orgânica e Química Analítica do Curso de Agronomia das Faculdades Integradas Taguaí, especialista em Ensino de Química pela Universidade Federal do ABC,  mestrando em Química pela Universidade Estadual de Londrina e professor em escolas e cursos pré-universitários nos estados do Paraná e São Paulo.


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