Condenado a 285 anos de prisão por ter matado sete mulheres e estuprado mais de uma dezena de vítimas que sobreviveram, Francisco de Assis Pereira, de 56 anos, o Maníaco do Parque, não parou de atacar nem mesmo depois de ter sido preso, em 1998. Em pelo menos duas ocasiões, ele avançou contra duas mulheres dentro do sistema penal de São Paulo.
Na semana passada, a médica psiquiatra Hilda Morana, de 69 anos, contou no podcast Surtadamente que, em 2005, sofreu uma esganadura do Maníaco do Parque dentro da Penitenciária de Itaí. Francisco ficou encarcerado nessa unidade prisional entre 2001 e 2006, numa galeria onde só havia presos condenados por crimes sexuais contra mulheres. O depoimento foi destaque na imprensa nacional.
A médica estava desenvolvendo uma tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) sobre a mente dos psicopatas e sua capacidade de recuperação. Hilda entrevistou mais de 50 presos com esse perfil em São Paulo, entre eles o Maníaco do Parque. Segundo seus relatos, a direção da penitenciária de Itaí disponibilizou uma sala para a psiquiatra conversar com os detentos. Mas foi orientada a não fechar a porta, pois um policial penal teria que vigiá-los de longe.
Logo no início da entrevista, como narra Hilda, Francisco começou a reclamar do barulho e pediu para a médica fechar a porta. O agente penal alertou a psiquiatra do perigo de ficar a sós com o Maníaco, mas ela o desconsiderou. Tão logo a porta foi cerrada, o assassino serial pulou em seu pescoço, apertando a garganta da médica com as duas mãos. “E se eu mato a senhora agora?”, ameaçou. Hilda tirou as mãos dele do seu pescoço. “Ele não estava disposto a me matar. Queria só chamar a atenção”, relatou a médica em entrevista ao blog True Crime, do jornal O Globo.
Hilda voltou à penitenciária para entrevistar o Maníaco outras cinco vezes. Em sua tese de doutorado, ele é o paciente de número 42. Sobre o assassino, ela escreveu: “Apresenta um transtorno persistente de personalidade, com elevadíssima periculosidade. Este indivíduo é mais perigoso que a média e deve ser contido, pois, devido à falta de controle interno, é necessário um controle externo rigoroso. Do ponto de vista médico-legal, é considerado semi-imputável e, geralmente, não responde ao tratamento. Não sendo um caso passível de tratamento curativo específico, conforme estabelece o Artigo 98 do Código Penal, não se recomenda a aplicação de medida de segurança. No entanto, é certo que, mesmo após trinta anos de cárcere, o indivíduo continuará a representar uma ameaça”.
Em um trecho de entrevista do Maníaco com Hilda, feita em 2004, há o seguinte depoimento: “Não estou arrependido. Se eu disser ‘estou arrependido do que fiz’, seria mentira; não estou arrependido… É como se houvesse um vazio dentro de mim. Sinto-me seguro e, ao mesmo tempo, sei que destruí a minha vida. Eu era trabalhador… nunca roubei. Depois, eu voltava para casa como se nada daquilo tivesse acontecido, mas, quando ocorria, eu chorava muito. Eu senti arrependimento, mas, ao mesmo tempo, era um arrependimento falso, pois, se fosse verdadeiro, eu não teria repetido duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito vezes”.
Dois anos antes de atacar Hilda, o Maníaco avançou sobre outra mulher também na penitenciária de Itaí. Em 30 de novembro de 2002, o assassino serial iniciou um relacionamento com Jussara Gomes Glashester, de 62 anos, após receber uma carta de amor dela. Com o tempo, o vínculo se fortaleceu, e Jussara passou a ajudar financeiramente a família de Francisco. Em 28 de maio de 2003, ela formalizou uma união estável com o detento para tentar obter visitas íntimas. O documento justificava a união, afirmando que “os contratantes são pessoas que se identificam, se conhecem há longa data e possuem compatibilidade de gênios, afinidades, interesses comuns e sentimentos amorosos”.
Jussara contratou o advogado Walner Barros Camargo para entrar na Justiça com o pedido de visita íntima. Para sua surpresa, o juiz de execução penal solicitou que uma psicóloga conversasse com o casal separadamente antes de tomar uma decisão. Em 30 de julho de 2003, a psicóloga Marinha Sebastiana Pinheiro emitiu um parecer contrário à visita íntima, alegando que a relação do casal era baseada em uma “forte carga afetiva” e que Francisco mantinha o namoro pautado por um “discurso religioso”. “A referida senhora se recusou a falar sobre o passado de Francisco, afirmando que o que realmente importa, no momento, é o presente e o futuro. Portanto, proponho a continuidade das visitas no parlatório”, sugeriu a psicóloga.
Em outubro de 2003, Jussara encerrou o relacionamento com o Maníaco ao perceber que não teria como fazer sexo com ele. Na despedida, Francisco pediu para dar um beijo de despedida na namorada. Quando ela encostou o rosto na grade do parlatório, o Maníaco tentou morder o pescoço da mulher. Ela saiu correndo de dentro da penitenciária. Na saída, ainda comentou com um policial penal: “Ele é violento, né?”
Possível soltura
Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, cumpre pena como um presidiário comum, apesar de ser diagnosticado com psicopatia. Atrás das grades há 26 anos, ele não recebeu nenhum tipo de tratamento para a doença psiquiátrica, o que pode ter agravado ainda mais o quadro clínico, conforme disse recentemente ao Metrópoles um médico especialista no assunto.
Condenado a quase 270 anos de prisão pelo assassinato de sete mulheres — crimes ocorridos na década de 1990 –, o Maníaco do Parque poderá sair da cadeia a partir de 2028, justamente pelo fato de estar atrás das grades como um presidiário comum. Para este perfil de preso, a lei brasileira não permite que as penas, em regime fechado, ultrapassem 30 anos.
A história dos crimes chocantes de Francisco de Assis Pereira é ainda tema de um filme que estreou mês passado no serviço de streaming Amazon Prime.