O comerciante nigeriano Bright Ndubuisi Ebebe vive no Brasil há sete anos e está há quase um ano na Penitenciária de Itaí, no interior de SP. (Foto: Arquivo pessoal)
O comerciante nigeriano Bright Ndubuisi Ebebe vive no Brasil há sete anos e está há quase um ano na Penitenciária de Itaí, no interior de SP. (Foto: Arquivo pessoal)


Por Elisa Fontes, da Ponte Jornalismo

No início da tarde do dia 22 de abril de 2021, o comerciante nigeriano Bright Ndubuisi Ebebe saiu de sua casa no Jardim Helena, zona leste da capital paulista, como de costume, para cumprir suas tarefas como gerente de um bar em Guaianazes, bairro vizinho. Mas, por volta das 12h30, a menos de 200 m de sua residência, Bright tomou um enquadro de policiais militares e, com isso, não chegou ao seu destino e nem voltou mais para casa. O nigeriano foi preso em flagrante acusado de tráfico de drogas e está há mais de onze meses na Penitenciária de Itaí, na região sudoeste do estado de São Paulo.

Naquele dia, o boletim de ocorrência assinado pelo delegado Sandro W. Tavares Távora, do 50º D.P. (Itaim Paulista) foi registrado 11 horas depois da abordagem. O cabo Luiz Carlos Cozzolino Gorato e o tenente Felipe Augusto Cordeiro da Silva, do 4º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), narraram que estavam em patrulhamento quando se depararam com uma pessoa que “ao avistar a viatura policial demonstrou muito nervosismo” e por isso decidiram abordá-la.

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Os PMs afirmaram que Bright carregava dentro de uma bolsa um saco plástico contendo 938,3 g de cocaína, três celulares, a quantia de R$ 2.240,00 e, no bolso da jaqueta, a quantia de U$ 1.254,00. Questionado sobre a droga, Bright teria dito que a entregaria a uma pessoa que o aguardava em um carro preto na Av. Itaquera. Mas, ao chegarem no local, os agentes não localizaram o veículo e em seguida se dirigiram à delegacia com o comerciante, onde foi preso.

Porém, à agência de notícias Ponte Jornalismo, Adriana Lídia Coriolano Ebebe, 30, copeira e esposa de Bright, alega que a versão policial não condiz com a realidade, pois o marido não portava droga alguma e teria sido intimidado a entregar aos PMs o dinheiro que levava. “Ele tinha um compromisso para resolver no centro e levaria um dinheiro em dólar para guardar no cofre pois o bar estava em reforma. Ele estava com 10 mil dólares e 30 mil reais e o dinheiro em reais era para poder comprar mercadoria e fazer outros pagamentos naquele dia”, conta.

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Adriana diz que o marido era uma pessoa de confiança do dono do bar e era comum que Bright ficasse responsável pela parte financeira do estabelecimento. Além disso, o comerciante tem dificuldade em falar português e só possui fluência em inglês e na sua língua nativa, o igbo, uma das línguas faladas na Nigéria, país da costa oeste da África.

“Era mais ou menos 15h e ele me mandou um áudio [no WhatsApp] falando para mim que ele tinha sido abordado pela polícia, que tinham pedido o dinheiro que ele tinha na bolsa e ele disse que não ia dar porque o dinheiro era do trabalho dele. Então os policiais pegaram e falaram que aquela cocaína era dele e aí foi um desespero”, detalha.

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Sem audiência de custódia por conta da pandemia de Covid-19, a juíza Thais Fortunado Bim do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) atendeu ao pedido do promotor Alexandre Demetrius Pereira e converteu a prisão em flagrante de Bright em preventiva no dia 23 de abril do ano passado.

Esposa alega que prisão foi forjada

Há quase um ano, Adriana segue buscando provar a inocência do marido e acredita que ele foi vítima de um flagrante forjado. “A bolsa dele é pequena e não cabe a quantidade de droga que eles falaram. Não cabe meio quilo de açúcar, não cabe meio quilo de nada dentro dela. E eles me devolveram a bolsa com a carteira e os cartões”, aponta.

A copeira também relata que a polícia já tinha ido algumas vezes até o bar onde Bright trabalhava realizar diligências, mas que não havia encontrado nada de errado e, em mais de três anos morando na região, o marido nunca havia sido abordado. “De 10 mil dólares, eles colocaram 1.200, e dos 30 mil reais, falaram que só tinha 2 mil e pouco, onde foi parar o restante do dinheiro?”, indaga a esposa.

Ela conta que, além do dinheiro, Bright também carregava um celular que seria enviado para a mãe dele que vive na Nigéria, assim como boa parte de seus familiares, por meio de um amigo que viajaria nos próximos dias. Os outros dois aparelhos apreendidos na abordagem eram usados por ele, um para questões do trabalho e outro para manter contato com os dois filhos, a mãe e os irmãos.

Bright veio para o Brasil há sete anos e trabalhou como vendedor ambulante na 25 de Março, centro da cidade de São Paulo, até receber o convite do amigo para ser gerente de um bar. Ele e Adriana vivem juntos há quase seis anos, com os dois filhos pequenos dela. Com a ausência de Bright, a copeira diz que ficou desempregada, teve crises de ansiedade e se preocupa com a situação do marido. “Pelo fato dele ser preto, africano, as pessoas já acham o outro lado. Ele tá agitado, impaciente e não aceita porque ele está pagando por algo que não fez. Então, aquilo dói mais nele”, lamenta.

A defesa do comerciante anexou ao processo uma série de extratos bancários de janeiro de 2020 a abril de 2021 que comprovam que Bright já movimentava dinheiro como capital de giro de sua atividade comercial compatíveis com as quantias que ele carregava no dia 22. Além disso, houve um atraso na perícia dos celulares que se encontravam com Bright no dia da abordagem.

Em depoimento na audiência realizada em setembro do ano passado, o comerciante disse que, no caminho para a delegacia, os policiais paravam, conversam com pessoas na rua e teriam sugerido que eles o entregassem algo para liberá-lo. Agora, a juíza Luciane Jabur Mouchaloite Figueiredo, da 21ª Vara Criminal, deve analisar as provas para proferir a sentença.

Palavra dos policiais como prova única

Para a advogada criminalista Fernanda Peron, da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, que analisou o processo à pedido da reportagem, o único elemento contra Bright é palavra dos policiais envolvidos em uma abordagem sem justificativa para acontecer.

“No caso dele, tem algumas questões que já indicam, em um contexto de racismo e também por ele ser estrangeiro, que a polícia pressupõe que ele é suspeito. O que a lei exige é uma fundada suspeita. Pode até ter o nervosismo, mas teria que ser aliada a outras características objetivas naquela situação para justificar uma abordagem. Não basta ser uma impressão do policial”, comenta.

A advogada chama atenção para o fato de os policiais não terem apresentado nenhuma testemunha da prisão na delegacia e a investigação do caso não ter levantado mais provas para além da versão contada pelos PMs. “Eles poderiam ter buscado câmera de segurança na região para ver onde Bright estaria momentos antes. Diante do fato dele ser não falar bem o português, não ficou claro como essa comunicação se deu”.

Fernanda também diz que a falta de audiência de custódia após a prisão em flagrante prejudica a defesa do acusado. “No direito penal, quem alega alguma coisa deve provar. Nesse caso, a prova que eles aceitam para dizer que Bright é traficante é somente a palavra dos policiais. Porém, contra essa versão da polícia não existe prova possível da defesa, pois não basta provar que ele é trabalhador e não teria motivos pra traficar. Isso acaba se tornando prova de fato negativo, impossível de produzir. O problema está na lógica vigente no Judiciário e no Ministério Público, que aceitam qualquer declaração dada por policiais sem exigir outras provas, mesmo quando essas seriam facilmente obtidas”, aponta.

Outro lado

A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública (SSP), do governo Rodrigo Garcia (PSDB), em relação à investigação do caso e como se deu a comunicação entre os policiais e Bright Ebebe. A pasta encaminhou a seguinte nota:

“O respectivo caso foi concluído e relatado ao Poder Judiciário, não mais retornando à unidade policial. Na ocasião, um homem de 38 anos foi flagrado com porções de cocaína, celulares e dinheiro em espécie. Mais detalhes devem ser solicitados à Justiça.”

A secretaria não respondeu as perguntas sobre outras provas utilizadas para justificar a prisão de Bright, além da palavra dos policiais, e não comentou as alegações da defesa do comerciante.

Também procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afirmou que os magistrados não podem se manifestar fora dos autos. “A audiência de Bright Ndubuisi Ebebe ocorreu em 22/9/2021 e a sentença só não foi proferida ainda por conta de uma série de diligências requeridas pela própria Defesa do réu, que só apresentou as alegações finais nesta semana. A audiência contou com a presença de tradutor/intérprete juramentado para língua inglesa”, diz em nota o órgão.

O Ministério Público de São Paulo (MPSP) não retornou até a publicação desta reportagem.

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