Por Marco Henrique
Uma pesquisa do Ipsos de 2017 denominada “Percepção da Realidade”, que incluiu 38 países, mostrou que os brasileiros só perdem para sul-africanos quando a questão é noção sobre o que de fato acontece no mundo. Em 2018, na mesma pesquisa, o Brasil conseguiu melhorar um pouquinho, ficando na quinta posição. De toda forma, o quinto lugar não é nada animador.
Com a democratização da internet, milhões de pessoas se tornaram alvo fácil paraacreditarem nas histórias mais fantasiosas que se poderia imaginar. O que acontece no mundo todo, mas, tratando-se de Brasil,nosso país especificamente frágil se tornou um antro de lunáticos, pseudocientistas e teóricos da conspiração. Mitos, lendas e teorias conspiratórias sempre existiram, mas com a internet as coisas ganharam uma proporção jamais vista.
A mentira espalhada pelo bairro agora tornou-se um problema real e um perigo para a população. Em tempos de pandemia, a situação ficou ainda mais grave com milhões de pessoas assustadas, ociosas e buscando respostas fáceis. Formou-se o ambiente perfeito para o vírus das fake news.
Vivemos um boom das teorias da conspiração, que afastam cada vez mais as pessoas do mundo real. O perfil dos difusores dessas teorias não diverge muito: são geralmente pessoas com medo, com preguiça de ler e estudar e pouca aptidão para escutar. Sem conhecimento embasado, técnico ou teórico acerca das coisas que nos envolvem. E o pior: com respostas para tudo, literalmente tudo.
Parece que quanto maior o nível de ignorância, mais certo de suas verdades e respostas é o indivíduo. O viés político é extremamente presente, e essas teorias são mais comuns entre conservadores da extrema-direita. Embora a esquerda também tenha suas falácias e não deixa de passar algumas vergonhas.
Olavo de Carvalho, escritor e guru da nova direita, é um dos notórios disseminadores dessas teorias que fazem sucesso por aqui. Relatos dão conta de que, espremendo a obra do escritor, percebemos que tratam de uma imensa teoria da conspiração com camadas e mais camadas de acusações.
Não deve ser muito diferente das lives que ele produz em seu canal, onde acusa e teoriza contra uma suposta elite global, a esquerda mundial, a mídia, as universidades, toda a academia, toda a arte e cultura, o ambientalismo, todo modo de ativismo, toda a ciência, todas as organizações transnacionais e os maiores bilionários do capitalismo global como George Soros, Bill Gates e Elon Musk que, na verdade não querem faturar, querem impor o comunismo para o mundo – sim, ainda existe quem seja capaz de acreditar nisso.
De filosofia na obra do escritor, os relatos são de que existe muito pouco e sem substância. São inúmeros grupos no Facebook, WhatsApp e canais no YouTube, todos dissertando teorias conspiracionistas como se fossem verdades absolutas. Os absurdos são inúmeros e basta acompanhar um pouco das conversas nesses ambientes para ficar atônito em questão de minutos:
“projeto de redução populacional”,
“conspiração para tornar o Brasil comunista”,
“vírus criado em laboratório”,
“vacina que reprograma o DNA”,
“Terra plana”,
“vacinas com nano robôs que nos transformam em transmissores 5G”,
“vírus criado em laboratório”,
As coisas vão mais longe do que é possível imaginar e as fantasias não surgem e são impulsionadas do nada; 99% delas tem viés políticos e interesses maiores, usando a massa de manobra que acolhe essas narrativas mirabolantes.
Diferentemente de tempos atrás, quando o acesso à informação era muito limitado e histórias absurdas e a pseudociência surgiam como falta de acesso à informação, agora elas surgem do excesso delas.
Os criadores de tantas histórias nocivas já perceberam que, quanto maior o limite da pessoa, mais ela precisa consumir algo que consiga assimilar de forma fácil. Não importa se aquilo tenha ou não fundamento histórico, social ou científico, assim como também não importa se o produto contenha verdade. A história é comprada de imediato pelo simples fato da pessoa conseguir assimilar, ela toma a novidade como verdade e acha que retirou o véu da ignorância de seus olhos quando na realidade está ainda mais distante de enxergar as coisas como realmente são. É a criação de uma realidade ficcional levada ao extremo!
O grande problema é que o enganado geralmente fica irredutível e, se preciso for, discutirá medicina com o médico, física com físico e economia com o economista, direito com o advogado e por aí vai. Quanto mais estiver mergulhado na ignorância, mais convicto ficará de suas verdades que são reafirmadas pelos algoritmo do Facebook, e seus grupos no WhatsApp, Twitter e Telegram que continuarão lhe enviando mais “informações”.
Todo especialista em generalidades acredita piamente que a verdade descoberta por ele, através dos vídeos que recebe no WhatsApp e dos canais que segue no YouTube, é suprema.
Afinal, é mais fácil acreditar num mundo cheio de grandes conhecimentos propagado por gurus, youtubers, blogueiros, memes e pseudocientistas, também sem estudo de causa, do que pegar um livro com fontes e referências concretas e perder meses lendo e pesquisando antes de opinar sobre algo ou tomar uma posição. Também é mais fácil se perder dentro de uma fantasia do que tomar ações concretas na própria vida, que é real e muito mais complicada de ser resolvida.
A internet democratizou o conhecimento, mas também a ignorância. Hoje, uma pessoa supostamente informada sobre a verdade que consegue assimilar não é apenas uma consumidora passiva, ela possui meios para difundir a desinformação. Isso quando não assume esse desserviço como um trabalho. A situação é preocupante, confesso que pessoalmente nunca vi alguém inteligente e sensato afirmando levando a sério teorias conspiratórias em torno de vacinas, China, planos comunistas, humanos vivendo em outros planetas, Terra Plana, fraude em eleições, iluminatis, entre outras lendas desse universo que estão criando.
A verdade é bem mais fácil de enxergar e por isso tão difícil de assimilar. Não existe verdade alguma que a mídia mundial esconde, não existe inimigo comum e nem um salvador que possa resolver os nossos problemas. Somos nós mesmos que teremos de lidar com toda essa bagunça e, para que não fique ainda mais difícil do que já é, realmente é preciso fazer com que essas pessoas voltem para a vida real.
Marco Henrique tem 36 anos, é jornalista, escritor e estrategista político. Há dez anos atua profissionalmente nos bastidores do cenário político realizando gerenciamento de campanhas e estratégias eleitorais para diversos atores políticos e partidos. É constante estudante da história política nacional e seus desdobramentos.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site.